quinta-feira, 31 de maio de 2007

Poema da Auto-estrada vs Descalça vai para a Fonte

Voando vai para a praia Leonor na estrada preta. Vai na brasa, de lambreta. Leva calções de pirata, vermelho de alizarina, modelando a coxa fina, de impaciente nervura. como guache lustroso, amarelo de idantreno, blusinha de terileno desfraldada na cintura. Fuge, fuge, Leonoreta: Vai na brasa, de lambreta. Agarrada ao companheiro na volúpia da escapada pincha no banco traseiro em cada volta da estrada. Grita de medo fingido, que o receio não é com ela, mas por amor e cautela abraça-o pela cintura. Vai ditosa e bem segura. Com um rasgão na paisagem corta a lambreta afiada, engole as bermas da estrada e a rumorosa folhagem. Urrando, estremece a terra, bramir de rinoceronte, enfia pelo horizonte como um punhal que se enterra. Tudo foge à sua volta, o céu, as nuvens, as casas, e com os bramidos que solta, lembra um demónio com asas. Na confusão dos sentidos já nem percebe Leonor se o que lhe chega aos ouvidos são ecos de amor perdidos se os rugidos do motor. Fuge, fuge, Leonoreta Vai na brasa, de lambreta. António Gedeão Descalça vai para a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa, e não segura. Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de chamelote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa e não segura. Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entrançado Fita de cor de encarnado, Tão linda que o mundo espanta. Chove nela graça tanta, Que dá graça à fermosura. Vai fermosa e não segura. Luís de Camões

quarta-feira, 30 de maio de 2007

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tectos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém. Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! José Régio

terça-feira, 22 de maio de 2007

Sou assim

Transcendente (que transcende). (?) Sobre-hurnano (além do humano). (?) Oh feliz de quem entende, de quem busca e surpreende os pontos, a recta e o plano! Um pobre homenzinho ignaro, com os pés colados ao mundo, olha o alto e olha o fundo, consegue ver tudo claro. Deus te abençoe, meu amigo. Deus te dê o que desejas. Que palpes, que oiças, que vejas o sonho que anda contigo. Todo claro é escuro em mim. Não tenho asas nem rabo. Não SOU Anjo nem Diabo. Sou ASSIM. António Gedeão Nota: "António Gedeão, nasceu em Lisboa, em 1906. António Gedeão é o pseudónimo poético do cientista e historiador Rómulo de Carvalho, licenciado em Ciências Físico-Químicas.Fez tardiamente a sua estreia poética, em 1956, mas cedo revelou a preocupação com o destino do homem. Morreu em 1997, em Lisboa." Fonte: http://www.nescritas.nletras.com/poetasdeexpport/PoetasExpPort/poetasindice/archives/2004_05.html

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Dissonância - Miguel Torga

É o mesmo rio a cantar contente e o mesmo ócio vegetal a ouvi-lo. E o mesmo céu tranquilo a reflectir-se na sua pureza. E sou eu, na incerteza destes dias traídos, a caminhar ao lado, desatento, alheado, sem ócio, sem pureza e sem ouvidos.

domingo, 20 de maio de 2007

"Não basta dirigir-se ao rio com a intenção de pescar peixes; é preciso levar também a rede"

Bom, de volta às postagens, com um novo estilo, mais tranquilo e sobretudo mais EU... Novidades: Deixei realmente de fumar :-) isto é, daqui a uns anos deverei fumar um cigarrito, mas agora ainda é cedo (pois porque isto de pensar que nunca mais se fuma stressa muito...) Segunda novidade: decisão de vida: agarrar as oportunidades com as duas mãos, dentes e pernas, pois podemos correr o risco de nunca mais as encontrar... eu sei!!!Vou começar a ser mais afoita e menos temerária!!! Andava demasiado presa! Uma coisa é ser ponderada outra é bloquear as situações e oportunidades!!!!Isto claro, com rede própria!!! Espero que gostem do meu novo velho estilo :-)